30 março 2015

COINCIDÊNCIAS - III


Qual é a probabilidade de pedir uma rabanada brasieira com um café e, no pacote de açúcar, sair a receita da Rabanada Brasileira? Reduzida, decerto. Ainda por cima considerando que estamos em março.

Isto deu-se hoje, em mais um dia de atrapalhação ao volante. Um prego esperava um dos pneus do carro à saída de casa e empurrou-me para uma corrida até à praça de táxis.
Ao fim do dia, depois de procurar uma roda suplente em diversos locais (a nova moda do comércio de automóveis é não trazê-la) encontrei uma jante de alumínio pelo preço de uma de ferro e já com pneu.

À clínica veterinária chegou mãe e filho adulto. Ele transportava uma simplória casinha de gato com desenhos vermelhos e amarelos. Pediram uma consulta de urgência que lhes foi recusada devido a doença do médico. Este trabalhava nitidamente doente. Mas a gatinha deles estava doente, nitidamente com a vida por um fio.
Isso não fez demover a funcionária da sua decisão e eles renitentemente mantiveram-se na esperança de uma vaga. Desistiram. Aproximei-me deles e sugeri uma clínica perto porque o animal estava mal... Olharam um para o outro e o olhar era de desespero - transparecia falta de verba para pagar noutro sítio. Sairam cabisbaixos.
E um caso destes não se esquece facilmente. Fiquei a matutar nisto e em como ajudar alguém que se desvaneceu.
Passadas horas uma amiga de Gaia mandou-me um SOS: alguém lhe pedira ajuda para uma gatinha que estava muito mal e que não tinha dinheiro para tratar. Era ele!
Encaminhado para a União Zoófila, tem a gatinha a ser operada a uma piómetra e vai safar-se.


07 março 2015

HÁ LUGARES MAIS PRÓPRIOS

Sempre que me encontro com um vizinho na entrada do prédio e entabulamos conversa nunca é por muito tempo. O lugar é desacolhedor e frio e fica na rota de passagem de todos os habitantes do prédio, visitas e tarefeiros. Não lembraria, portanto, a ninguém, marcar um encontro com alguém dizendo, encontramo-nos à porta.
Apesar disso, é ali que se dão as reuniões de condóminos. O único mobiliário existente é uma mesa de secretária que serve somente para rascunhar as actas e segurar dossiers e uma cadeira onde se senta o escrivão. Em pé, no lugar onde o vento mais corre, encostam-se inquilinos. Outros sentam-se nos gélidos degraus de mármore em cima de uma velha revista.
Há uma excepção: dona Irene traz de sua casa uma bonita cadeira, com almofada de folho e uma almofada extra pois sofre de hemorroidal. Senta-se sempre no mesmo local e não deixa em casa a sua mala, apesar de morar três pisos acima. Interessa-se por todos os temas mas o que mais aprecia é o da manutenção dos administração e do delegado pois este garantiu-lhe que muda, ele próprio, as lâmpadas das escadas.
Atravessar o átrio durante uma tarde de reunião e confrangedor. Lembro-me daquela vez em que, por ter muito trabalho a fazer, faltei à reunião, mas tinha-me esquecido que precisava sair com os cães. Senti que as paredes se juntavam conforme ia avançando entre as pessoas até à porta da rua.
As vizinhas do rés do chão atravessam em passo de corrida, as três, mãe e filhas, em passo de corrida. Terão desejado sair de casa atempadamente, sem ter de passar por aquele aperto. Devem alguns milhares de euros ao condomínio e não fazem tenção de pagar. No entanto, não dirigem nem uma palavra de agradecimento a todos nós por lhes permitirmos continuar a habitar no prédio.
É sempre bom contar que alguém terá o admirável o prazer em apresentar obstáculos ao andamento dos assuntos. Emperra-se meia hora a discutir temas sem importância apenas porque são apresentados pelo Zé e o Zé gagueja... Dói esperar aquilo que todos sabem que vão ouvir; o seu tom de voz sobe e desce até encontrar o tom que permite soltar o som que afinal só servir para baralhar ainda mais...
Desta vez a reunião não correu mal nem se prolongou infinitamente como outras houve.
A pessoa ao  meu lado tem os pés gelados.

03 março 2015

SURPRESA

Durante algum tempo e ciclicamente, venho luto contra a vontade de querer ajudar e o sentimento de que estou a ser usada e abusada em termos de trabalho voluntário.
Hoje surpreendeu-me o facto de ter de reconhecer que afinal, embora solicitada por vezes em demasia, sou valorizada. Deu-se o facto de ter sido partilhada comigo informação importante e por ter sido confrontada com projetos para os quais contam comigo; alguns que dependem, em certa medida, de mim.
Esta valorização, ou a exposição desse valor, fez-me perceber que afinal, tenho um papel a desemprenhar e que de pouco vale fugir dele. provevelmente devo de uma vez por todas, parar de me lamentar, estrebuchar e deitar mãos à obra.

02 março 2015

BALANÇOS

Por vezes é necessário que sejam os outros a chamar-nos a atenção para consicencializarmos as venturas que temos. Atarefados, não reparmos que nos acontecem coisas boas. E que estas são melhores e em maior número do que as nefastas.
Recentemente voltei a um antigo e abandonado hábito: enumerar no fim do dia as coisas que me aconteceram, as que realizei; fazer um balanço, perceber o que fica para o dia seguinte, atualizar uma lista como se de compras se tratasse.
Isto permite-me não só fechar ciclos mas acordar com as tarefas enumeradas e com vontade de cumpri-las.


20 fevereiro 2015

COMPLEMENTARIDADE

Há algum tempo uma amiga publicou uma foto interessantíssima da sua autoria mas eu achei que faltava alguma coisa...

(Foto de Elisa Costa Pinto: Porta em Vila Nova de Tazem.)


18 fevereiro 2015

PANCADINHAS

Durante muito tempo, longo tempo, tempo a mais, aconteceu-me procrastinar.
Sem nunca ter o perdido de vista nem ter relaxado mediante o "esquecimento" do trabalho quase parado, senti a tensão crescer.Tirar-me o sono, indispor-me.
Embora assistindo a isto com plena consciência da asneira que ia crescendo, resisti heroicamente.
Há dias isto mudou. Regressei escrevendo, constituindo grupos de alunos, motivando-os na medida que me é possível para fazer o que preciso que façam. E escrevo, leio, pesquiso, ainda longe do ritmo desejado.
Foi quando tropecei neste link. O método...é esquisito.
Mas o objetivo...parar de procarastinar, agradou-me. E mais, a coincidência.


25 janeiro 2015

ALMOÇAR EM LISBOA

Grande parte dos clientes procuram o Café Império por uma fama que vem de longe. Os bifes à Império são famosos em Lisboa e arredores. Este restaurante safou-se do franshising que acometeu outras casas do género e acabou por arruinar a cozinha de algumas, apesar da forte aposta publicitária.
Quem ler este texto deve pensar que provei o bife. Obviamente, não. Baseio-me nos comentários de satisfação dos comensais parceiros de mesa. O que posso afiançar é que tomei a melhor refeição de 2015 (e o mês vai adiantado!) com um Risotto de legimes delicioso (raramente alguém me ouve falar assim da comida).
Porém, não foi o prato que me levou a escrever mas sim o espaço. O pédio é um projeto de Cassiano Branco, dos anos 50.
Temi pelo Império depois que o cinema foi tomado pela IURD. Não sei o que se passa no andar superior mas o restaurante foi poupado às manifestações religiosas e, religiosamente foram conservados alguns elementos arquitectónicos, como o painel de Luis Dourdil e a parede de cerâmica de Martins Correia, autor que desconheço. 

Saliento o conceito vintage aplicado recentemente aos menus e paineis publicitários, apesar de frequentes elementos decorativos falhados.Esqueceram os neons publicitários anteriores. Valia a pena ir mais longe e espalhar a ideia. 



14 janeiro 2015

POSTINHO

Feliz com as próprias descobertas, um grande amigo descreve as suas experiências gastronómicas de um modo tão entusiástico que toda a comida é referida com diminutivos. Não é único a usar esse género de tratamento. Recordo alguém que, quando a fome aperta, a sacia com um grelhadinho ou uma saladinha com um fiozinho de azeite. Ou uma frutinha partidinha aos pedacinhos.
Ora isto faz-me impressão.
Os diminutivos são modos de tratamento que revelam carinho e afeição. Comumente  dirigimo-los as coisas ou pessoas de quem mais gostamos e pelas quais nutrimos afeição. Em extremo, por qualquer coisa que nos faz sentir bem, como um casaquinho quentinho. 
As minhas cadelas trato de Bequinhas e de Lolita (e ao Kiko de Kikinho) porque lhes quero muito; faço-o quando elas se portam bem ou simplesmente porque estou para aí virada. Abraçá-las é um gesto que decorre da vontade de lhes demonstrar afecto. 
Sou, no entanto, incapaz de abraçar um peitinho de frango ou mesmo uma batatinha a murro. Nunca faria uma carícia a uma espetadinha ou a uma pescadinha. Nutro pela comida suficiente desprezo. 
Por esta ordem de ideias, sou incapaz de comer um caozinho. Muito menos um cachorrinho quentinho...

12 janeiro 2015

A CORES

Numa aula sobre a cor e a sua função, abordava a luz dos semáforos.
Expliquei a sua importância para os daltónicos.
Dois alunos alunos, lá ao fundo:
- Para alcoólicos?!
- Tás parvo? Achas que conduzia se estivesse embriagado?

Acerca da dificuldade em ver todas as cores,
- Há pessoas que vêm a preto e branco?
- Pá! Isso só as pessoas do século passado!


RICA PASSARINHA

Há alunos capazes de arruinar o dia. Capazes de me fazer questionar acerca do que faço ali. Incapazes de um gesto amigável ou de apenas um sorriso. Apesar disso eu dou-lhos. Cansam-me, fartam-me.
E depois há os Outros, a quem apetece abraçar, cheios de vontade de aprender, educados e de sorrisos felizes.
E depois há os amigos que fazem acreditar que afinal aquele sitio onde não me apetecia voltar afinal vale a pena. Obrigada. (Alex, Alberto, Carlos e Lurdes devo-vos as gargalhadas do dia).


11 janeiro 2015

COLHEITA 2014

Havia algums tempo que planeava reunir o trabalho gráfico que fiz ao longo do ano (a parte possível).
Nunca antes o tinha feito e agora que o conclui descubro a sua importância:
1. Deu-me alento para ir em frente, num momento oscilatório.
2. Permitiu tomar consciência da quantidade e diversidade produzida.
3. Relembrou-me ligações estabelecidas ao longo do ano. Religuei algumas, colocando-as no lugar certo.
4. Recordou-me que grande parte da minha dedicação é trabalho mal pago ou voluntário mas que, não obstante, irá continuar.

O link fica aqui.

10 janeiro 2015

SCHIUU...

Havia muito tempo que não via a dona Teresa.
Ali estava ela, a explicar à menina do pão a intervenção cirúrgica da mãe e o quanto o médico a detestava. Ainda mora na mesma casa apesar de querer mudar há muito por causa do

barulho dos elevadores.
Mas a outra casa era impossível morar nela: o

barulho da estrada era insuportável. 
"Esta noite tive de dormir no hospital com a minha mãe. Estou morta! Toda a noite aquele
barulho das máquinas na minha cabeça..."

ouuu...ouuu...ouuu...

08 janeiro 2015

Missale Romanum

Não percebi quase nada mas não me esforcei em demasia por seguir o roteiro já que o alinhamento é por demais conhecido.
O que é doloroso ver é apenas um jovem entreo os seis crentes presentes e um padre damasiado idoso para prepetuar o rito.



10 dezembro 2014

MONSTRO À SOLTA

Ainda a propósito dos cães sem trela, permitam-me contar um episódio que me aconteceu ontem, dez da noite na Parede. Passeava as minhas duas cadelas quando fomos abordadas por um labrador desgovernado. 

Uma delas recebeu-com um rosnar. A outra, amistosa, deixou-se levar e em segundos estava debaixo dele, completamente esmagada, latindo e contorcendo-se aflita. Quando finalmente consegui libertá-la, o monstro agarrou-se-me às pernas, ora uma ora outra, impedindo-me de andar. 

Gritei por socorro mas ninguém aparecia. Não podia largar as trelas das minhas cadelas portanto, além de tentar mover-me arrastando um cão do meu tamanho e peso (tarefa impossível), ficámos enrolados nas trelas. 

Fomos salvas desta quase Balada Astral (!) por um casal que, discutindo, se foi aproximando da zona de perigo. 

Nota: não cheguei sequer a ver o dono do cão tarado e a minhas cadelas ainda não recuperaram do susto.

04 dezembro 2014

ÀS ARMAS

Numa aula de Educação Visual:
- Manuel, pára de brincar às flechas. 
(As flechas eram réguas de 40cm que embainhava na camisa depois de passar pelas costas dos colegas).
- Isto não são flechas, são espadas! 

03 dezembro 2014

DOGS E ASSIM

Entusiasmada com o desenho que um aluno de 9º ano ia desenvolvendo, pedi que mo deixasse fotografar. Surpreendido, não parava de falar.
- Não vale a pena. O que há mais na net são cães destes. Isto nem sequer é original. Vá ao goolge, meta Doge e vai ver quantos destes lhe aparecem.





Andei uns dias esquecida mas quando fui ao google fiquei mais surpreendida que ele.



19 novembro 2014

OS POSTS DO JARDIM

O jardineiro arrancava, absorto, com um dedo, as cascas do tronco de uma árvore até ser surpreendido pelo rodopiar das minhas cadelas à volta da árvore. Despertado dos seus pensamentos, começou uma longa conversa, quase monólogo, divagando sobre os desocupados que recebem o RSI, os ciganos que não trabalham por opção sendo pagos por isso e os vândalos que lhe destroem as plantas que diariamente cuida com esmero. Conforme eu me afastava ele perseguia-me, prosseguindo o desfiar de conjecturas.
Revelou-se um homem informado e as suas opiniões eram consistentes. Rematou com esta metáfora perfeita:
- O jardim é o facebook dos cães. Chega um e escreve um post num poste (!) e vêm os outros depois dele, cada um deixar o seu comentário.


18 novembro 2014

SEMPRE A MESMA DOR

Um dia, numa conversa de família, o Jorge contou como estava a ser penoso o trabalho que estava a fazer. Andava mal disposto e tinha insónias. Contou que durante dias sofreu com o que via mas também com o que ouvia mas era obrigado profissionalmente a entrar naquele lugar.
Como não consegui fazê-lo parar de falar, saí da sala abuptamente. A minha percepção sobre a alimentação humana mudou a partir desse dia. Ainda tive de passar por uma fase de mudança até conseguir ser decisora sobre o que se cozinha na minha cozinha.
O hábito e a gula, mais do que qualquer necessidade fisiológica, são perdominantes no prato alheio.
Hoje em dia ninguém pode queixa-se de falta de informação mas pode ignorá-la ao fazer a sua própria seleção de conteúdos. Diveros foram os opositores às minhas publicações, por exemplo, no Facebook. Comecei a seleccionar desinatários para não causar sofrimento a ninguém....

É precisamente a falta de informação, a que chamo de ignorância consciente, que está reflectida à mesa, nos pratos alheios. Isto porque, não creio que haja pessoas com tão fraco respeito pela vida dos outros. O problema é o hábito que está instalado nas suas mentes e nos seus corpos.

Felizmente nasci e vivo longe do mundo rural, ao qual dificilmente me habituaria, mas, circular por esse país pôe em frente aos olhos (de quer ver), a realidade. Animais a correr na estrada atrás do carro que lhe abriu a porta; cães acorrentados com escassos centímetros de fio, vastas extensões de pasto salpicados por gordos animais de luzidios pêlos que em pouco tempo estarão encaixotados em tristes camionetas que os levará ao matadouro. Estes animais, ao contrário do que sorridentes porquinhos desenhados nos oleados nos fazem ver, vão em completo terror. Têm consciência da morte que os espera e como qualquer ser vivo, tem medo, sofre e tem dor...
Não lamento as doenças que o seu consumos provoca nos humanos. Acho até a mais refinada vingança. Colesterol elevado, problemas de tensão mas, principalmente ácido úrico (segregado por animais em pânico).
Não lamento a morte de caçadores e muito menos de toureiros na arena. Tenho um enorme desprezo pelas suas tristes vidas.
Por qualquer motivo que desconheço, vou ter de conviver com isto mais algum tempo.

16 novembro 2014

UPGRADE

Era minha intenção, desde o nascimento deste blogue, fazer dele um espaço agradável à vista, mesmo que a escrita não o fosse. As mais alterações introduzidas no Blogger deitaram a perder a estrutura inicial e as que lhe sucederam. Por esse motivo, e por diversas vezes, esteve parado; era desanimador. Foi renascendo a cada vez, contornando os aspectos técnicos inventados, que foram sempre piorando.
No início era possível personalizar quase tudo, tarefa presentemente difícil.
No início, aqui, os títulos eram a branco, por forma a serem invisíveis; no entanto, o facto de existirem permitia seleccionar e partilhar a a publicação. Depois, os artigos não tinham título no espaço a isso destinado. O título era iniciado com uma imagem, uma letra capital, elemento distintivo do Janota desde sempre.
Agora que todas as imagens têm um mísero sombreado, Janota vai ignorar os preceitos estéticos e as "mariquices" como alguém lhes chama. Que se lixem as personalizações.

15 novembro 2014

eflexão





Pela primeira vez na sua vida as suas janelas davam, ainda que vagamente, para as janelas da casa de alguém. Tinha dificuldade em lidar com isso. Um ano após, esta descoberta intrigava-a uma determinada casa em frente.
- Já reparaste naqueles cortinados? Todos manchados...
- Aquilo não são manchas. São até bem bonitos, com cornucópias e pavões.
- Tens a certeza? A mim parecem-me uns desenhos quaisquer.
- Além do mais são branquinhas e novas.
Estranhava o morador. Um homem de meia idade a quem a mulher tinha abandonado. Estranhava vê-lo apanhar a roupa. Era um acto rotineiro que só aprovava em teoria e na vida do neto, pois o rapaz tinha de se desenrascar sozinho, fazer pela vida.
Mas o que mais a intrigou foi ele ter um candeeiro de mesa igual ao dela.
Ao crepúsculo, sensivelmente à hora que o acendia, ele lá estava, luminoso, elegante, E achava-o bonito, ali ao longe.
Um dia, olhou melhor. E viu-se projetada num espelho bem lá ao fundo, que projectava a imagem do seu próprio espelho, que por sua vez refletia o candeeiro. E ela quando passava.


04 novembro 2014

ouca 
diferença existe entre o chilrear daquela vizinha que me vem incomodando encontrar quando ando na rua com os meus cães e a algarviada dos vizinhos de cima a falar com o neto bebé.
Aquela, vem lá ao longe a chamar -Ó Loliiiiita, ó minha querida menina! Ó princesinha, que fofinha! tudo isto em voz estridente e em tom muito pouco discreto.
Estes, passam o dia a dizer Ó meu rico menino, Ó [dizer o nome]! Seguido de muitos ó isto ó aquilo, incessantemente. Ó criança que nunca mais cresces.

01 novembro 2014


rigami

Os mais atentos repararão na tendência crescente para a utilização do origami. Esta arte japonesa de dobrar papel tem vindo a crescer como elemento gráfico e decorativo. Vêmo-lo na publicidade, como logotipo, como elemento decorativo. Em termos iconográficos, a amplitude de sentidos não tem fim. Qualquer coisa pode ser representada através do origami, consoante haja engenho construtivo, destreza manual e uma enorme dose de paciência.
Enquanto elemento de design gráfico, as potencialidades são vastas. A cor plana e as variações tonais provocadas pela luz e pela sombra que resultam das dobragens, permitem transmitir a tridimensionalidade no plano através do origami fotografado, o que nem sempre é fácil atingir através de outros meios.
Nova imagem do SAPO, 2014







Essas características, aliadas a uma grande simplicidade formal permitem a utilização em qualquer contexto. Se a tudo isso aliarmos o simbolismo japonês que está na sua origem, temos uma peça capaz de conciliar opiniões e que serve para quase tudo.
Não deixa, no entanto, de existir uma certa pobreza naquela simplicidade. Construidos, na grande parte das vezes, a partir de papeis de fraca qualidade e de pequenas dimensões, têm um tempo de vida destinado a ser curto.

Voltando ao origami no plano. Esta linguagem gráfica vai ao encontro de uma outra tendência, que é o mapeamento de formas.







A triangulação era usada na cartografia para mapear com precisão a área de países. Sam Ford (abaixo) utilizou o efeito da triangulação em letras, desenhando a partir de pontos estaratégicos e colorindo os espaços através de um sistema de medição em RGB. Uma vez mais, os valores tonais em zonas bem definidas, geometrizadas.

Sam Ford 



19 outubro 2014

emórias, para vos quero

Hoje ganhei uma vizinha nova. Veio, com uma filha e dois canitos, habitar o rés do chão. A cara dela não me era estranha. Nem a pronúncia, acentuadamente transmontana.
Perguntou-me pelos meus três cães, dos quais se lembrava muito bem.
E contou-me que há uns anos eu lhe valera de muito, quando a ajudei a encontrar um adoptante para um cão. Um cão de porte grande que apareceu arrastando uma corrente. O dono que arranjei terá sido um bombeiro que veio de longe.
Ora... o problema é que eu não me lembro senão muito vagamente deste caso.
Vejo então as coisas por outro lado, o bom: devo ter ajudado mais animais do que a minha curta memória prazo regista e isso faz-me sentir bem.
Embora...um pouco lerda.

04 outubro 2014

ma espécie de raiva



Cansada de actos crueis, de violência, de indiferença e de ignorância, escrevi ao provedor da RTP a falar de tortura, no dia do animal.

"Penso ser inadmissível que no tempo presente, em pleno século XXI, a RTP ainda transmita e apoie uma das tradições que mais deve envergonhar o país e a suas gentes.
Refiro-me à transmissão de programas em que um animal é torturado para gáudio de algumas pessoas.
Este costume medieval devia ser banido da face da terra. Não sendo possível, deve ser erradicado de todos os canis de televisão uma vez que é lema da RTP não fomentar a violência
".

04 setembro 2014



esistir


Apesar da persistentes e tentadoras ofertas, mantenho-me fiel à Vodafone vai para...muitos anos. Digamos que estou com eles desde o tempo em que umas mentes iluminadas faziam as fantásticas campanhas da Telecel, que, à época tinham o poder de uma pedrada certeira assente na tola. Era eficaz, muito cara e essencialmente, divertida. Irresistível.
Fiquei colada à marca também por ser a rede de quase todos os meus amigos. Quando surgiram os novos pacotes "tudo-incluído", resisti. Para quem me ligava era grátis embora o meu gasto fosse acrescido de uns euros. De um momento para o outro, eles mudaram. Aparentemente não houve um único que se tenha mantido porque pensou em mim ou nos outros. Ficámos 3 e umas contas extra para pagar.
 



01 setembro 2014

ma beca gira

Corria o dia 28 de agosto quando fui adotada por uma cadelita pequena, de idade indefinida. A cadelita tinha sido votada a um cantinho de um quintal mais ou menos imundo, onde vivia acorrentada.
Becas, chamo-lhe agora, espalha charme consoante se mostra aos habitantes do bairro onde moramos. O charme já fez uma vítima, a quem ela faz questão de rosnar em resposta às investidas de macho.
Até agora, ela e Lolita partilham pacificamente o espaço, ainda que sem demonstrações de afecto, coisa para a qual Lolita não está vocacionada.



26 agosto 2014

calçada


É quase meia noite quando subimos a Rua Direita, regressando da feira a pé. Este caminho foi tanta vez trilhado em família, anos a fio, desda a infância à juventude. Subiamos a conversar, olhando as montras das lojas que se multiplicavam rua acima.
Fez-se um intervalo de uns, talvez, trinta anos. O trilho é retomado nesta noite com os novos membros da família. Parece tudo igual, não o sendo. Muitas lojas fecharam ou foram substituídas por negócios em vias de falir. As paredes mantém a altura e olhando para cima o céu escuro mantém-se. As pedras também já não são as mesmas. Estas não contam história nenhuma.

25 agosto 2014

miga, a quanto obrigas


A famosa frase do Le Petit Prince sobre responsabilidade nas amizades chega-me a propósito de relacionamento que se tornou difícil. Ser amigo de alguém é ser e maduro.
Ultrapassada a adolescência, fase em que as amizade se fortalecem mas podem ser drásticamente abaladas, não tenho tido amizades complicadas. Pensei que este estado de graça era para a vida.
O meu relacionamento com os outros é fácil; tendo a não complicar mesmo com pessoas difíceis. Em época de turbulência, aprendi a deixar passar o mau tempo.
Na amizade que estabelecemos com essas pessoas especiais,  não dominamos todos os dados. Ela pode ser mais ou menos profunda e íntima, ou ser alimentada por qualquer coisa que não se vê nem se alimenta e no entanto estar sempre presente - disso quem não sabe?

Uma amizade pode também ser de tal modo alimentada que a aproximação se torna sofucante. Nesse caso está em perigo por saturação de um dos lados. Ou pode seguir um outro rumo que não dominamos.
Seguir esse rumo e deixar de ser amizade devia ser fácil de entender. Quando identifico sinais de que o relacionamento pode estar a passar para outro patamar, deveria ser fácil travar. Não o sendo, corro o risco de estragar e pior, magoar.
Não sei estabelecer limites, percebi agora, tarde demais. Não sei ser amiga de todas as pessoas, principalmente do mesmo sexo. Aprendi, conforme cresci, a defender-me das investidas masculinas, conforme ditam as regras culturais e sociais. Falta-me fazer uma aprendizagem que tem de ser feita trilhando o mesmo caminho, alerta para o "perigo" de me aproximar demais, de me dar demais.
Acontecer duas vezes seguidas é um sinal de que há algo tenho de aprender a controlar.

22 agosto 2014


air de casa

 
Ao contrário do que é comum sentir-se, viajar nem sempre é bom. Conhecer novas paisagens, interessa-me e fico-me por aí. Novas pessoas, nem por isso. Novos costumes, dispenso. É contraditória esta vivência, partindo de mim que gosto de desafios, inovações e reviravoltas.
Existe nesse andar pelo mundo qualquer coisa de assustador que me impede de usufruir em paz.
Existem culturas que me assustam e que risco do meu mapa geográfico. 
Se fosse possível viajar selecionando enquadramentos, a vida seria mais fácil. Viajar com um motor de busca incorporado que me permitisse escolher um menu de aspectos a eliminar com o olhar.
Que bom seria correr o mundo...

Sair de casa para uma curta viagem e percorrer caminho nalgumas estradas que nos levam para fora da famosa "zona de conforto" é uma viagem-lotaria. Se não se acerta, a viagem pode ser uma experiência dramática.
O primeiro cruzamento nefasto é com um animal espalmado no asfalto. Acontece em qualquer rua de bairro.
Um animal vivo que corre na beira da estrada no alcance frustrado de um carro que acelera. Ou aquele que se desloca vagarosamente, conformado com o destino a que foi votado e cujo olhar suplicante mexe com a profundeza do meu ser.
Seguem-se os dísticos que sinalizam tristes passageiros: "transporte de animais vivos", predestinados a uma morte, talvez em horas. Os transportes de animais destinados ao abate - porcos, vacas, galinhas. Triste, triste, triste.
Camionetas que regressam vazias, transportando com elas o peso do contributo para tamanha selvajaria.
Houve tempos em que isso me era indiferente
Hoje, a realidade à qual não posso fugir, mudou tudo, incluindo o modo como vejo a estrada.

Reentramos na cidade. Anunciam-se os melhores leitões do sítio.
Infanticído.
Talhos apregoam redução de preços em borreguinho e cabrito.
Transacionam-se vidas.
Vende-se a morte, ganha-se dinheiro com isso.
Pode-se gostar viajar deste mundo?

15 agosto 2014

iência


Sabemos que um otorrino é um ornitorrinco quando descobrimos que os dois diagnósticos efectuados estavam total e gravementemente errados.

14 agosto 2014


perto

Sentir-me pressionada ao ponto de perder a calma, faz-me...perder a calma.
Tenho a sensação de que há sempre alguém expectante em relação a mim, aos meus actos e àquilo que posso fazer.
Sob a capa do desabafo, são-me enviados sinais, SOS, indiferentes ao facto de que eu própria estou a enviá-los. Essa falta de sensibilidade, da incapacidade de se colocar no lugar do outro, exaspera-me. Por muito que me soe injusto, hoje pus um ponto final em alguns queixumes. Pensava que em todos, mas à noite alguns voltaram. Está portanto, na hora de dar o dia por findo.



12 agosto 2014


alafrio



Cruzar-me com o vizinho do terceiro andar provoca-me um certo arrepio. Não são os seus olhos azuis, ou serão verdes?, vagos, fugidios, muito menos o perfume que deixa no elevador.
Há qualquer coisa nele que não bate certo, que se sente sem ser vista.
O enigma foi resolvido hoje: trabalha num talho.

11 agosto 2014

06 agosto 2014

ada é para sempre


Da minha janela vejo o rés do chão da frente esvaziar-se. Meia dúzia de homens empilham numa camioneta alguns móveis com pó. Na varanda, havia muitos meses, passei a ver uma velhota de cabelo branco, e de vez em quando, numa cadeira de rodas.
No terceiro andar do meu prédio assisto a mais uma mudança. Esta casa a isso nos habitua. Novos inquilinos veem, móveis novos povoam o átrio.
Por esta altura todas as casas estão habitadas devido às férias e à proximidade da praia.

Na rua, porém, no jardim preferido do meus cães já não está a Polka - os donos emigraram. A Zara foi embora com a dona, que se separou. A Luna ladra da varanda do 4º andar - cresceu e os donos perderam a paciência de a levar a passear. O Simba desapareceu com a dona sem deixarem rasto. O Pretinho morreu e o mesmo aconteceu ao Messi. A Misty e o Max deixaram de se cruzar conosco porque os nossos horários mudaram. Também o Kiko e o Picachu desapareceram do bairro e da minha vida, deixando uma saudade enorme daquele olhos sinceros e meigo que só os cães têm. Apesar da sua ausência, passeiam sempre comigo e com a Lolita.